Psicodrama e Educação

Acreditando que o uso do psicodrama na educação e na escola, por intermédio de profissionais da psicologia, da pedagogia e de outras áreas interessadas possa ser de grande utilidade, construí este espaço virtual, na intenção de mostrar algumas facetas dessa interação. Desejo despertar no internauta o desejo de se aprofundar no conhecimento do profundo, amplo e sempre útil psicodrama, que por meio “da ação” me fez perceber a sua importância na minha própria formação.

10.12.06

Entrevista com Gessilda, psicóloga da SOBRAP (Sociedade Brasileira de Psicodrama)


Brasília, 14 de novembro de 2006

Falando sobre a sua trajetória pessoal no psicodrama

Antes de me formar eu já havia me interessado pelo psicodrama. E a SOBRAP foi criada em 1972. Eu me formei em 1973, então já em 70 teve um congresso internacional de grupos em São Paulo. Eu conheci lá um bocado de gente e aí nós formamos um grupo de psicoterapia, não existia grupo de psicoterapia por aqui. Existia o começo do psicodrama moreniano. Mas nós trouxemos a idéia de formar um grupo para fazer uma formação que tinha que se fazer primeiro psicoterapia de grupo, para depois entrar na teoria e na prática. Nós trouxemos, enquanto grupo de estudantes, pessoas do Rio e fazíamos terapia sexta, sábado e domingo, uma vez por mês. Daí, depois que terminou esse período nós não tínhamos profissionais pra fazer formação em Psicodrama Triádico.

O Psicodrama Triádico tem como base a junção da psicanálise, do psicodrama e da dinâmica de grupo. Foi criado pelo Pierre Weil e a Anne Schützenberger. na França. E essa formação dá liberdade para entrada de outras referências como o corpo, dança, música. Não é só da área clínica, pode ser aplicado na comunidade. O psicodrama Moreniano pode ser usado também na área clínica (só para médicos e psicólogos) e na área institucional. Nós chamamos de Psicodrama Triádico Institucional, esse que pode ser ampliado para outras áreas, esse qualquer profissional pode fazer, principalmente se tiver interesse pela área de grupo.

Enfim, nós terminamos nossa psicoterapia e procuramos profissionais de fora para dar a nossa parte teórica, porque nós tínhamos que ter, no mínimo, 360 horas divididas com psicodrama, psicanálise e dinâmica de grupo. A dinâmica de grupo (DG) aqui não é entendida como técnica, mas como estudo de grupo. Esse termo DG é muito mal interpretado, é visto como técnica. Mas nós usamos aqui como o uso de Lewin, em termos de estudo do grupo, sua estrutura, processos e conteúdos de grupo. A técnica é um dos instrumentos que se pode usar. Então, nós chamamos para nos ensinar o psicodrama na leitura triádica o Pierre Weil. Ele morava em Belo Horizonte e vinha uma vez por mês e nos dava a teoria e a supervisão. Depois de vir para cá ele ia para Recife, pois ele tinha outro grupo de estudantes também. Mas o grupo de Recife não foi para frente. Mas então, terminando o módulo de psicodrama, nós chamamos a Fela Moscovici que é uma grande especialista em grupo, formada nos EUA. Ela nos deu a parte de grupo. E pedimos autorização – pra SOBRAP - para estudar com um psicanalista daqui de Brasília a parte referente à psicanálise, principalmente voltada para grupos. Naquele momento, a SOBRAP ela tem uma nacional que coordena as regionais. Naquele tempo, a nacional não tinha nem forças. Ela estava se formando. A primeira Regional foi em BH, depois Rio (...) A nacional é que tem aprovar os cursos. Nós chamamos um psicanalista daqui de Brasília, apesar dos psicanalistas não acharem que a psicanálise pudesse ser aplicada nos grupos, mas nos ensinaram e depois nós nos aprofundamos na escola francesa, na área de grupos, com autores que buscaram a fundamentação da psicanálise dentro de uma leitura de grupo. Estudamos também textos de Freud, Mal-estar da civilização, teoria dos grupos de Freud. E então, nós ficamos interessados na formação em DG de consultores e coordenadores de grupo, que já é mais voltado para área organizacional, das instituições. Então eu fiz a formação em DG com a Fela, com 360 horas mais parte prática. Fiz a de psicodrama e fiz a de psicanálise. Eu tenho, portanto as três formações básicas do psicodrama triádico. A gente vai estudando uma coisa e vai querendo estudar outras. Eu comecei a aplicar o psicodrama tríadico inicialmente na área clínica, inclusive eu dizia pra Fela que eu nunca iria para as organizações, porque eu era terapeuta. Trabalhei por muito tempo com grupos na área clínica, com crianças, adolescentes, com adultos.

Co-coordenação

Na SOBRAP nós trabalhamos com a co-coordenação. Não é um que é coordenador e o outro é “co”. Não é como no psicodrama moreniano que tem o diretor versus ego-auxiliar. Temos uma dupla que faz trocas entre si, os coordenadores. Os egos-auxiliares surgem do grupo. O próprio membro do grupo entra quando precisa ajudar o grupo fazendo papéis com o protagonistas. Nós fazemos isso baseado na co-coordenação, baseado na idéia de par parental, que é o pai e mãe, pegando a teoria da psicanálise. Seria de preferência ter um homem e uma mulher, mas é muito difícil ter o homem. Então nós trabalhamos em dupla e o grupo vai projetando nos coordenadores os papéis de pai e de mãe. Isso é que vem psicanálise, com a idéia de transferência, da interpretação, da resistência, inconsciente, conteúdo manifesto, latente, tudo isso dentro do grupo.

Leitura de Grupo

Agora, deixa eu falar uma coisa muito importante no psicodrama triádico que é a leitura do grupo. O que o grupo está vivendo no aqui-agora? Dependendo do que o grupo está vivendo no aqui-agora nós nos valemos de uma metodologia de DG, trabalhando o grupo em termos de comunicação, liderança, poder, inclusão, toda aquela história de movimento de grupo. Se o grupo está tendo, num momento, coisas não ditas, conteúdos não ditos, manifestando sobre a forma de atuações, de resistência, aquele embasamento da psicanálise, nós entramos com a leitura psicanalítica. Usamos interpretação, deixando o grupo livre, fazendo associação livre do grupo, vendo os símbolos do grupo, vendo a linguagem do grupo, numa leitura de que tem algo manifesto, externo, mas por trás tem o inconsciente. Então a gente usa os instrumentos da psicanálise, linguagem, associação livre, a interpretação, a transferência, tudo de grupo. E se o grupo precisar, se ele está pedindo algo de psicodrama, a gente dá o protagonista, o ego-auxiliar, com técnicas psicodramáticas, do espelho, da cadeira vazia, duplo. Então, o importante é ler grupo, a gente prepara, leva técnicas variadas. Mas é o grupo que vai te dar o material que você vai trabalhar. Por isso é sempre importante ter um momento de aquecimento para surgir, pra surgir dali algo de grupo ou algo individual. Agora, a aplicabilidade: se estamos trabalhando com a clínica a gente focaliza o trabalho do indivíduo no grupo e trabalha o grupo, a família. Mas o foco é mais intra-individual. Enquanto que no trabalho com as instituições o foco é o “inter” e no grupo.

Então, se baseando dentro do psicodrama moreniano que tem na socionomia moreniana a psicodinâmica, a sociometria e a sociatria. A psicodinâmica é o trabalho da liderança, da comunicação, toda essa coisa do processo de grupo que para nós do triádico cai dentro da DG, de processo de grupo, de estudo de grupo. A parte da sociometria é que se vai medir por meio de instrumentos sociométricos as relações entre as pessoas de aceitação e rejeição, como o grupo se forma pela escolha. A gente trabalha com isso, existem técnicas. Qualquer profissional pode trabalhar com essa parte da psicodinâmica e da sociometria. Isso você pode aplicar na sala de aula, como por exemplo, a sociometria, perguntando com quem na sala de aula os alunos gostariam de fazer um trabalho. A partir daí você faz a rede sociométrica, você percebe aquelas pessoas que tem mais liderança, que são mais escolhidas e também as pessoas que são mais rejeitadas, mais excluídas. A partir daí o professor/profissional vai fazer um trabalho pra incluir essas pessoas que estão excluídas em formas de trabalhos de grupo. Essas pessoas que são as estrelas (líderes, mais escolhidas), elas têm uma força muito grande, então pegamos essas pessoas pra ir formando, e, não cristalizando panelinhas, grupinhos. Outra pergunta que pode ser feita é com quem você não gostaria de trabalhar. Com isso vai se trabalhando no grupo as rejeições, porque não se gosta de tal pessoa, será que é porque ele não faz o trabalho direito, é irresponsável. Daí vai-se trabalhando as forças, os conteúdos que formariam a força impulsora para aquele trabalho e diminuindo as forças restritivas para aquela convivência. Por exemplo, em determinado momento meninos e meninas não se misturam por conta das diferenças do sexo. Essa seria a hora do professor fazer trabalhos focando as diferenças, características, o que é um menino, uma menina, inclusão de pessoas que têm problemas. Claro, sem formar um grupo dos excluídos! A sociatria (socio = amigo, tria = doença, grupo de amigos está doente) seria aplicar técnicas para melhorar esse grupo que não está legal, só que na área institucional (comunidade, escola, hospital) não se usa o foco intra, não se traz o indivíduo à tona. O foco é no inter e no grupo. Tem-se uma série de trabalhos, de técnicas que focam o grupo. Um exemplo com a leitura da psicanálise com o professor que fez a formação e sabe ler o que o grupo está expressando. Ele não vai chamar atenção pra Maria, pro José. Daí o grupo fala que é o final de ano, tensão. Então, o professor pode propor um trabalho pra relaxar o corpo, movimentos, pra entrar na sala legal. É claro que vão ter os papéis de palhaço, de gozador, são os papéis que surgem no grupo. E o professor vai vendo como esses papéis podem fortalecer o grupo, usando como força impulsora para o objetivo, não excluindo-os, mandando-os pra diretoria, não criando rótulos como o do garoto terrível. O professor deve pensar a: “tua hiperatividade vai ajudar esse grupo, não vai atrapalhar, como? Você é incrível, criativo, inteligente.” Então esse tipo de trabalho na instituição é o sociodrama e não o psicodrama, o grupo que é trabalhado e não o indivíduo. Tem uma série de meios de fazer isso. Agora, caso se perceba que o indivíduo está muito regredido, e por isso não consegue se incluir, ele tem trabalhos no grupo e tem o apoio do psicodrama (mais clínico), pode ser o bipessoal ou de psicoterapia.

O papel do Psicólogo Escolar

Não é o psicólogo da escola que fazer esse trabalho. O psicólogo da escola tem que ter uma formação de leitura de grupo e de ver as forças impulsoras e restritivas e trabalhar por meio do sociodrama num foco triádico. Pode-se trabalhar o sociodrama numa leitura psicanalítica dos excluídos por meio da auto-imagem, de não ser incluído na família, de ter rótulos. Isso tudo é jogado na sala de aula! Mas o que se deve entender é que na sala de aula não somos todos iguais, isso é uma mentira. Nós somos todos diferentes e cada um tem coisas boas e ruins. A partir disso, pode-se trabalhar as polaridades, dentro da psicanálise que é a pulsão de vida e a pulsão de morte. O que eu uso de coisa boa e de ruim para o objetivo que é a aprendizagem? É muito importante não perder de vista o objetivo de aprendizado, não é o lúdico. Claro que o social é reforçado, que a sexualidade também é trabalhada, mas o foco é aprendizagem. Pode-se aprender por meio de técnicas de psicodrama, mas fazendo-se leitura de grupo. Se a matéria tá difícil, pode-se usar psicodrama.

O Triádico tem três momentos: aquecimento, vivência e processamento (fechamento). Aquecimento: aquecer-se para se preparar para o que está sendo proposto. Por exemplo, se vamos estudar o corpo humano, pode-se propor uma técnica de grupo focando o contato, o olhar. Daí vem uma técnica que trabalha o corpo humano, por exemplo, quebra-cabeças, usando pedaços que formarão o corpo. Pode-se trabalhar a competição, a inveja, quando, por exemplo, alguém não quiser fornecer uma peça para completar o quebra-cabeça. Como isso se reflete na aprendizagem? Imagine que tem os nerds que não querem se misturar com os danadinhos. Imagine se os nerds, vivem uma situação de exclusão, quando o grupo vai fazer uma farra. Isso que a gente vai trabalhando: a característica do grupo, através da linguagem ou da dramatização, dos jogos, mas em grupo. Se alguém ficar muito fora e o professor perceber que por mais que se faça trabalhos de grupo ele permanece com suas dificuldades, então é reforçado que se busque um apoio fora. Mas o próprio grupo vai fazer o máximo que puder pra ter as diferenças e não a igualdade.

O CFP fala que não se pode ensinar psicodrama para outros profissionais. Isso está errado! O que não pode é ensinar a linha clínica, mas a institucional pode ser útil para vários profissionais: o profissional do teatro, o fisioterapeuta, da educação física, o professor. Mas trabalhar o indivíduo é só o psicólogo e psiquiatra que podem.

Agora, a escola envolve a comunidade (família), a empresa (diretores, professores, orientadores serventes) e alunos. Então, a gente pode trabalhar a escola em vários grupos. Pode ir trabalhar os pares, a administração, professores, os orientadores, o grupo de apoio que são os serventes, que é o que a gente chama de trabalho de equipe. E pode trabalhar os alunos na sala de aula, junto com os professores, para trabalharem as relações interpessoais, pra não formarem panelinhas, alianças, que dificulta também, são coisas restritivas.

Pergunta: Como é na prática do psicólogo escolar trabalhar com a administração? Trabalhar com o professor é mais fácil do que com os administradores, diretores?

Não percebo muita diferença. De vez em quando eles, diretores, convocam um trabalho de diagnóstico, que é assim para ver como está aquela escola. A gente escuta o gerente, os gestores, secretários, pra levantar as necessidade daquela escola, pra gente ver onde que tá a força mais restritiva, se é a metodologia, se são os pais se é a comunidade... Vamos dizer que a escola esteja próxima do foco de droga. O primeiro passo é fazer o diagnóstico daquela instituição, levando em conta a comunidade, os pais, os gestores (administradores, professores, serventes). A gente não separa os professores dos diretores e serventes. A gente gosta de trabalhar todo mundo junto. É um trabalho curto pra ver o que precisa ser trabalhado. E, por exemplo, se o problema é de comunicação, trabalhamos um pouco esse aspecto. Se precisarem eles chamam a gente de novo. Geralmente eles pedem esse trabalho antes do período de aulas recomeçarem, em julho... É bem focal. Já o trabalho de pais, a famosa reunião de pais, se você puder trabalhar em forma de DG e de sociodrama, é lindo. Fazer o que aqueles pais querem trabalhar: a irresponsabilidade do filho, a frustração de não ter um filho nerd, de ter filhos diferentes! Nada tem enfoque individual, tudo é sociodrama. Se tiver, inclusive um professor que é massacrante, a gente trabalha ele no grupo também, junto com os outros, até que o grupo esteja forte pra dizer que a forma daquela pessoa lidar perturba, incomoda. Daí se a pessoa ficar mobilizada ela mesma procura psicoterapia. Até diminui licensas, afastamentos... Porque os professores vão tendo um lugar pra ir expressando raiva, frustração, prazer, em forma de grupo.

Lembrando que a sociometria visa trabalhar com a rejeição e aceitação, não visa formar um grupo lindo unido, mas que seja um grupo verdadeiro. Eu gosto de trabalhar com fulano, mas não gosto com ciclano. Eu me sinto bem com a orientadora tal, mas não gosto de trabalhar com a outra, por isso e isso... E eles vão vendo essas coisas. Mas isso é trabalhado no grupo. E o trabalho de comunidade é geralmente a programação de temas, como a eleição, por exemplo. Trabalhar cidadania, a importância do ecossistema. Os amigos da escola são exemplos de comunidade. Mas esses projetos ficam lindos em escolas públicas. Fizemos um com as crianças bem-dotadas, mas a gente trabalhou a escola, pra receber essas crianças, os pais, como ter filhos superdotados e as crianças pra não se sentirem “os bons”. Por exemplo: “Sabe, você é ótimo em uma coisa, mas não em outras.” Nós trabalhamos a análise das competências, por exemplo: “você é ótimo em música e péssimo em matemática. Então você vai precisar da matemática pra questão do tempo, do ritmo.’ E isso é trabalho que se faz e grupo, com jogos, com sociodrama.

E como se encontra o mercado de trabalho na área...

As coisas não são fáceis nem difíceis. Você tem que olhar a sua identificação, o seu desejo. Você vai se formando, se apresentando, com o tempo. Tem um livro que se chama Cartas para um jovem terapeuta, que é do Caligaris, que faz parte de uma coleção... Esses livros falam do começo da carreira. No começo, claro que você não vai ter um ganho, leva um tempo, que se conquista, de reconhecimento da sua área. Por exemplo, a Marisa começou na Fundação, eu comecei na Secretaria e aí a gente vai sendo conhecido e vai construindo a identidade. As pessoas pensam “a Gessilda trabalha com criança”, mas eu trabalho com organização também, mas isso não é conhecido. A gente vai conquistando, mas tem que ser responsável, ter coragem. É claro que não é fácil já começar com emprego. Segundo o Freud tem três profissões muito difíceis: ser psicanalista (psicólogo), professor e político. Porque é uma coisa que você tem que amar, porque tem tantas dificuldades, barreiras, que se você não gostar fica difícil.

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